Vejam texto públicado no blog :
Empreendedor SocialBlog dos integrantes da Rede Folha de Empreendedores Sociais
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Promovendo o Encontro de Saberes
José Dias Campos, 48 anos, casado, como filho de agricultores, da agricultura familiar, desprovidos de condições financeiras e de acesso ao crédito experimentou a triste situação em que as famílias viviam no semiárido em decorrência da fragilidade na infra-estrutura das propriedades para adaptar-se as mudanças climáticas. Mas, também, teve a oportunidade de viver e ser parte de expressões de solidariedade, praticadas pelas famílias, na medida em que, com a ajuda de amigos conseguiu concluir um curso de nível superior, algo que, na época, era quase que impraticável por filhos de agricultores.
Na época, articulou-se com outros estudantes que participava de uma associação universitária e fundou uma organização para promover os agricultores, a partir do encontro de saberes locais, a criarem e inovarem tecnologias sociais que permitisse às famílias melhor adaptar-se a realidade local, com melhores condições de convivência com a realidade semiárida, gerando vida sustentável.
No ano de 2007 passou por um processo de seleção e, em julho de 2008, entrou para a rede de empreendedores sociais da Ashoka. A organização tem desenvolvido, ao logo de sua trajetória, um extenso cardápio de tecnologias sociais para o desenvolvimento humano. Seu foco é a eficiência no gerenciamento de recursos naturais, em pequenas propriedades, com atividades focadas na agricultura familiar. Seu trabalho consiste em aliar formação e mobilização social com a produção e difusão de soluções inovadoras, de baixo custo, em áreas como manejo hídrico e agroecologia. O CEPFS possui uma área experimental onde desenvolve as tecnologias sociais, sempre com ampla participação das famílias que serão beneficiadas, a partir do encontro de saberes. Depois, leva as tecnologias desenvolvidas para as comunidades e trabalha sua ambientação e implementação junto com os atores locais. Em uma etapa fundamental para a sustentabilidade, assessora as instâncias organizativas das comunidades na implantação de mecanismos de governança coletiva. O principal exemplo são os fundos rotativos solidários. O CEPFS atende, hoje, a 5.670 agricultores familiares de 39 comunidades, nos municípios de Teixeira, Maturéia, Desterro, Cacimbas e Princesa Isabel, na Paraíba.
O CEPFS possui um portfólio com diversas soluções desenvolvidas, que foram difundidas e aperfeiçoadas nas comunidades em que trabalha que podem integrar estratégias de maior prazo para o desenvolvimento local em outros territórios, não apenas na Paraíba, mas, em todo o semiárido nordestino, em outras partes do Brasil e do Mundo. Isso significa produzir e difundir tecnologias e estratégias viáveis e efetivas para convivência com a realidade ambiental do semiárido, criando oportunidades e gerando soluções para os desafios próprios da região para que as populações locais possam se desenvolver sem precisar migrar para outros territórios.
O negócio social não envolve apenas o retorno financeiro. Existe uma valorização, acima de tudo, humana. Resultados: 5.790 pessoas com capacidade para armazenar, 15.440.000 litros de água potável, através da construção de 965 cisternas; Construção de 205 cisternas com apoio direto dos Fundos Rotativos Solidários permitindo o armazenamento de 3.280.000 litros de água potável; Mobilização e formação de 1.710 homens e 1.591 mulheres para controle de políticas públicas; Criação de 30 bancos de sementes comunitários com capacidade de armazenar 42 toneladas; Incentivo ao reflorestamento e recuperação de áreas degradadas ambientalmente através da produção e distribuição de 7.085 mudas (frutíferas e florestais); Construção de 57 cisternas com a tecnologia social sistema de boia para lavagem do telhado, experiência que melhora a potabilidade da água para o consumo humano; Implantação de 02 unidades de beneficiamento de fruta nativa, beneficiando 10 famílias e um total de 60 pessoas – aumento médio de 25% na renda das famílias beneficiadas diretamente; 100% das famílias beneficiadas estão adotando novas práticas de manejo dos recursos naturais a partir do processo educativo impulsionado pela tecnologia social; redução do desperdiço de frutas em 100% das famílias beneficiadas com a tecnologia social. Houve aumento na renda de 25 famílias das comunidades beneficiadas e adjacências através da compra da sua produção(frutas). A experiência trabalhou diretamente, no ano de 2010, com 8.202 pessoas. Desde sua criação, já beneficiou 54.379 pessoas em 05 municípios: Teixeira, Maturéia, Desterro, Cacimbas e Princesa Isabel. Nos municípios de Teixeira e Cacimbas são 33 comunidades, com 713 famílias, todas trabalhando com a dinâmica de Fundo Rotativo Solidário.
Financiadores da experiência:
· BrazilFoundation;
· Trócaire;
· Fundo Finlandês de Cooperação Local da Embaixada da Finlândia;
· Inter-American Foundation
· MIVA Transportiert Rilfe;
· CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviços;
· Brucke Lê Pont.
José Dias Campos*
José Rego Neto**
O CEPFS tem refletido com o público com o qual trabalha que a saída para a convivência com a realidade semiárida está no desenvolvimento de iniciativas de captação e manejo de água de chuva, a partir dos potenciais hídricos, naturais, existentes nas propriedades da agricultura familiar. Para tanto tem estimulado diversas iniciativas de captação e manejo de água de chuva nas propriedades da agricultura familiar no semiárido da Paraíba. Essa idéia assume significado importante porque tem bases em uma estratégia de distribuição difusa do líquido precioso para o atendimento das necessidades básicas das famílias que, ainda, assumem papel fundamental na agricultura familiar, em relação ao desenvolvimento local. Há, no entanto, que se considerar a necessidade, urgente, de se ter um maior, melhor e mais detalhado estudo que permita com segurança afirmar que volume de água é necessário, tomando, talvez, por base a média de 06 pessoas por família, para atravessar um ano de estiagem prolongada, a exemplo da atual seca que a maior parte do semiárido está enfrentando neste ano de 2012. Sem dúvida esses elementos aprimorariam as ações que já vem sendo desenvolvidas pela sociedade civil, como caminho de adaptação às mudanças climáticas para melhor convivência das famílias com a realidade semiárida. Na contra mão as políticas públicas tem apontado e promovido ações que requer um processo de distribuição centralizado e gestão dependente, do tipo construção de grandes reservatórios, canais de transposição, etc. Evidentemente para o atendimento das grandes massas, consumidoras, de água (populações dos grandes centros urbanos) será importante estudar possíveis interligações de bacias, mas, para as populações rurais, inclusive para o fortalecimento da agricultura familiar o desenvolvimento de iniciativas de captação e manejo de água na propriedade pode, sem dúvida, responder melhor a uma proposta de desenvolvimento local, com princípios de sustentabilidade. Nessa ótica de análise, do ponto de vista de mananciais de uso coletivo é importante frisar que, quase não se escuta falar de iniciativas públicas (políticas públicas) voltadas para a recuperação dos reservatórios já existentes e das capacidades das bacias ou microbacias onde estão localizados. A idéia central sempre tem sido a de construção de novos sem, inclusive, estudar melhor as condições e capacidades de captação de água das bacias e microbacias. Essa idéia ao invés de melhorar a capacidade de captação de água para o atendimento das famílias, de forma coletiva, pode contribuir para divisão do volume de água dos reservatórios coletivos, e no caso especifico do semiárido, influenciar em um maior índice de perca por evaporação. Logo pode se concluir que para a segurança hídrica das propriedades da agricultura familiar no semiárido é necessário um maior e melhor estudo para investimentos em estruturas de distribuição difusas, a serem construídas nas próprias propriedades, de acordo com seus potenciais hídricos naturais, tornando-as mais seguras e eficientes quanto ao aproveitamento dos recursos naturais, no âmbito familiar, e, para o uso coletivo, investimentos na recuperação dos mananciais, bacias e microbacias de modo a permitir maior e melhor capacidade de captação, armazenamento e uso das águas que caem nas regiões.
* Economista, coordenador Executivo/CEPFS
Empreendedor Social da Ashoka/Lemelson
** Licenciatura em Geografia – Assessor Técnico do CEPFS
A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das “Notícias do Dia’ publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, com sede em Curitiba-PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia. Eis a análise.
Equívocos da transposição do São Francisco
Empreiteiras ávidas por mais recursos, obras paradas, cronograma adiado, problemas com licitações, aumento bilionário nos custos, canais rachados, túneis desabando, deslizamento de solo, empregos frustrados e caatinga devastada envolvem a transposição do Rio São Francisco. Já se coloca em dúvida se um dia a obra terminará e, ainda mais grave, vai se confirmando a denúncia da ineficácia da transposição para levar água aos que mais dela precisam.
“A transposição do Rio São Francisco se transformou em um grande atoleiro e eu não vejo nenhuma perspectiva de ela ser concluída, pois as obras estão praticamente paradas em vários trechos”, declara João Abner, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em entrevista ao IHU. Segundo ele, “nenhum agricultor que, hoje, recebe água do carro-pipa receberá água da transposição desse rio, porque a água vai escoar em grandes rios, vai para as maiores barragens da região e será utilizada pelo agronegócio”.
Nos últimos dias, a transposição do São Francisco voltou ao noticiário pelo viés do escândalo em que se transformou. A transposição já é o mais caro dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Só no governo Dilma Rousseff, os preços aumentaram 71% e saltaram para R$ 8,2 bilhões. A obra se transformou num “ralo do dinheiro público”.
Na opinião de João Abner, “com um terço do custo da transposição do rio São Francisco seria possível construir um grande sistema de abastecimento de água para atender a todo o Nordeste e abastecer todas as casas da região”.
A obra se transformou num mico nas mãos de Dilma, uma das heranças malditas deixadas por Lula. Na opinião de João Suassuna, engenheiro-agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife, a transposição caracteriza-se como um “projeto tecnicamente ruim, socialmente preocupante e politicamente desastroso”.
‘O bispo tinha razão‘
Aos poucos vai se confirmando tudo o que os movimentos sociais, cientistas e especialistas diziam da obra: “A transposição do São Francisco é um erro”. Entre as várias vozes que se levantaram contra a transposição, uma, sobretudo é lembrada, a de dom Luiz Cappio, bispo de Barras (BA). Cappio em seus dois jejuns, em 2005 e 2007, chamou a atenção para os equívocos da obra e profetizou que a mesma era um grande erro e que não seria concluída.
Em uma das entrevistas que concedeu ao IHU, em 2008, dom Luiz Cappio afirma “a transposição não irá acontecer porque é mentirosa, anti-ética, anti-socal, injusta e economicamente inaceitável”. Cappiodizia na oportunidade: “O projeto é socialmente injusto porque vai beneficiar um pequeno grupo, enquanto que projetos alternativos podem beneficiar quase toda a população do Nordeste do semi-árido. Ela é ecologicamente insustentável porque, enquanto o projeto de transposição agride a realidade do Rio São Francisco, os projetos alternativos são altamente sustentáveis. E a transposição é eticamente inaceitável porque é mentirosa, enquanto os projetos alternativos estão aí para poder atender as necessidades do povo”.
Em outra entrevista ao IHU em 20120, Cappio reafirmou: “O tempo mostra a verdade de todas as coisas e vai mostrar o significado da nossa luta”.
“O bispo tinha razão…”, diz o sociólogo Rubens Siqueira da Comissão Pastoral da Terra na Bahia e da articulação São Francisco Vivo. Lembrando o bispo, relata: “’Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho’. Com esta ideia, o bispo franciscano de Barra–BA dom Luiz Cappio justificava seus dois jejuns, em 2005 e 2007, contra o projeto de transposição, em defesa do Rio São Francisco e do semiárido brasileiro. Dizia que o projeto, além de ignorar o mal estado do rio, visava, como sempre no Nordeste, concentrar água, terra e poder, levaria dinheiro público para o ralo e votos para urnas e – vaticínio profético? – não seria concluído”.
“E não é que, não à parte a loucura, ele tinha razão! Quatro anos e meio depois de iniciado, o projeto capenga, confirmando as críticas do bispo, de cientistas respeitados e dos movimentos populares. O próprio sertanejo da região ‘beneficiada’, até aqui iludido com a mítica promessa, começa a desconfiar”, destaca Rubens Siqueira.
Transposição, boa apenas para a indústria da seca
A transposição do São Francisco até o momento foi boa apenas para a indústria da seca, destaca João Abner na entrevista ao IHU. Segundo ele, “a indústria da seca é uma espécie de colonialismo que predomina no Nordeste há séculos. Quer dizer, os projetos para distribuir água no Nordeste são pensados fora da região e têm a intenção de capturar recursos públicos. O Programa de Açudagem do Nordeste mostra isso. As obras pensadas para o Nordeste são descoladas de um plano de desenvolvimento e têm um fim em si mesmas”.
Continua o professor da UFRN, “a transposição do rio São Francisco segue essa mesma lógica. O governo e as empresas querem construir o maior açude possível no Nordeste e depois pensar o que será possível fazer com ele. Para funcionar, a transposição do rio precisa de mais investimento. Além disso, durante o período em que a obra ficou parada, os canais construídos se arrebentaram e terão de ser refeitos. Portanto, essa é a estratégia das elites do Nordeste: criam um projeto de desenvolvimento para se apropriarem de recursos públicos”.
Segundo Abner, “o mal menor seria terminar logo a transposição do rio para mostrar que a obra não tem nada a ver com o desenvolvimento do Nordeste, que não foi feita para acabar com o carro-pipa, que não vai servir para nada. Assim, ao menos ela ficaria exposta como um monumento para denunciar a indústria da seca. O problema é que, enquanto a obra estiver sendo construída, não será possível discutir um projeto específico e alternativo para o Nordeste”. Porém, o professor considera que “a indústria da seca não tem interesse que essa obra seja concluída, porque, quando ela for concluída, a indústria da seca será desmascarada”.
Além de alimentar a indústria da seca, a transposição quando pronta, ou parcialmente pronta, beneficiará o agronegócio ou o hidronegócio.
“Essa história de associar a transposição com a seca é a maior fraude que existe. O projeto é para (…) uso econômico. Na verdade, a água da transposição será utilizada para consumo industrial (na região litoral e metropolitana) e para consumo agrícola”, diz João Abner na entrevista.
Críticas do movimento social se confirmam
As principais críticas ao projeto feitas desde 2005 vão se confirmando. Rubens Siqueira lembra e enumera as denúncias feitas pelo movimento social, pesquisadores e especialistas que estão se comprovando:
1. A obra seria muito mais cara que o previsto: de 5 bilhões iniciais já estão reajustadas em 6,8 bilhões, um aditivo de 1,8 bilhões, 36% em média. Há lotes ainda não re-licitados, o que vai onerar ainda mais o preço final.
2. Não atenderia a população mais necessitada: efetivamente, não pôs uma gota d’água para nenhum necessitado; antes desmantelou a produção agrícola local por onde passou.
3. O custo da água seria inviável: hoje o governo reconhece que o metro cúbico valerá cerca de R$ 0,13 (poderá ser ainda bem maior), seis vezes maior que às margens do São Francisco, onde muitos irrigantes estão inadimplentes por dívidas com os sistemas de água. Para ser economicamente viável, este preço terá que ser subsidiado, e é certo que o povo pagará a conta;
4. Impactaria comunidades indígenas e quilombolas: comunidades quilombolas impactadas são 50 e povos indígenas nove. As demarcações de seus territórios foram emperradas, patrimônios destruídos. No caso dos Truká, em Cabrobó – PE, em cuja área o Exército iniciou o Eixo Norte, o território já identificado é demarcado se aceitarem as obras. No caso dos Tumbalalá, em Curaçá e Abaré – BA, na outra margem, se aceitarem a barragem de Pedra Branca. Ainda não foi demarcado pela FUNAI o território Pipipã e concluído o processo Kambiwá, a serem cortados pelos futuros canais, ao pé da Serra Negra, em Pernambuco, monumento natural e sagrado de vários povos. Muitas destas comunidades resistem. Em Serra Negra povoado e assentamento de reforma agrária não admitem as obras em seu espaço.
5. Destruiria o meio ambiente: grandes porções da caatinga foram desmatadas. Inventário florestal levantou mais de mil espécies vegetais somente no Eixo Leste.
6. Empregos precários e temporários: como sintetizou o cacique Neguinho Truká, “os empregos foram temporários, os problemas são permanentes”. Em Cabrobó, nada restou da prometida dinamização econômica, só decepção e revolta. Nas cidades por onde a obra passou ficou um rastro de comércio desorientado, casas vazias, gente desempregada, adolescentes grávidas…
7. Arrastadas no tempo, a obra se presta a “transpor” votos e recursos: não debela, antes realimenta a “indústria política da seca”. Nova precisão de data para conclusão: 2014! Vem mais uma eleição aí, em 2012, outra em 2014…
8. Faltam duas das consequências graves a serem totalmente comprovadas, que só teremos certeza se a obra chegar ao fim: vai impactar ainda mais o rio São Francisco e não vai levar água para os necessitados do Nordeste Setentrional. Enfim, a Transposição é para o agro-hidronegócio e pólos industriais do Pecém (CE) e Suape (PE).”
“Está provado que a transposição do rio São Francisco é uma obra que não serve para o Nordeste. Quer dizer, tudo o que se falou anteriormente está sendo comprovado na prática”, comenta João Abner, concordando com o diagnóstico do movimento social.
O principal e mais forte argumento do governo, de que a obra garantiria a segurança hídrica na região semi-árida a 12 milhões de pessoas virou uma falácia. Segundo João Abner, “existem dois discursos: de que a água seria usada para consumo humano e para uso econômico. Mas a primeira fraude diz respeito ao beneficiamento de 12 milhões de pessoas. Nós fizemos um levantamento das populações que possivelmente serão atendidas pelos sistemas adutores, que captam a água das bacias que receberão a água da transposição do rio São Francisco, e contabilizamos três milhões de pessoas”.
“A outra mentira, diz ele, é que essa água não irá perenizar rios secos. Essa água só será despejada na cabeceira dos dois maiores rios do Nordeste, ou seja, será despejada fora do rio São Francisco e do Parnaíba, que é onde se concentram 70% das reservas típicas da região”. “Então, essa história de associar a transposição com a seca é a maior fraude que existe”.
As sucessivas denúncias de que as obras da transposição estavam abandonadas levaram recentemente Dilma Rousseff à região. Para os integrantes da CPT em Floresta/PE, a visita da presidenta Dilma foi uma tentativa estratégica de dar resposta às inúmeras críticas feitas ao megaprojeto e de provocar uma comoção nacional de que a obra não estava abandonada. Foi logo após a visita de Dilma à região que uma série de novas licitações começaram a serem elaboradas e os custos da obra explodiram.
Desde 2005, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, através do seu sítio, da revista IHU On-Line e publicações especiais como os Cadernos IHU, deu espaço e voz a inúmeros estudiosos e lideranças sociais sobre a análise do caráter e natureza da obra. Em centenas de reportagens, artigos e entrevistas, o IHU contribuiu para o debate da polêmica da transposição. Destacamos aqui a publicação Cadernos IHU em formação – A transposição do Rio São Francisco em debate publicada em 2008 que condensou amplo material sobre o tema.
Desde o anúncio da obra, somamo-nos às inúmeras vozes para alertar sobre o equívoco da transposição do Rio São Francisco. Em 2005, o IHU publicava a Revista IHU On-Line edição 159 – Salvar o Velho Chico: uma luta que se revitaliza. À época, muitos contestaram o porque de tanto espaço a um tema regional, ou mesmo não compreenderam e criticaram a postura do IHU de contestação ao projeto – símbolo de uma nova Era no país, a do modelo neodesenvolvimentista capitaneado por Lula. Passados mais de seis anos, como diz dom Cappio, “o tempo mostra a verdade de todas as coisas”.
Violações persistem em megaobras
Não é apenas a transposição do Rio São Francisco que tem dado dores de cabeça ao governo. Ao longo da semana, uma série de outros megaprojetos enfrentaram problemas. As maiores obras do país, as quatro principais hidrelétricas planejadas pelo governo na Amazônia – valores estimado em R$ 56,6 bilhões – estão com projetos paralisados.
Operários dos dois principais canteiros de Belo Monte, no rio Xingu (PA), interromperam atividades. No rio Madeira (RO), as usinas de Jirau e de Santo Antônio enfrentam greves faz poucos dias a usina de Teles Pires, na divisa entre Mato Grosso e Pará, teve obras suspensas pela Justiça Federal.
Em Belo Monte, os cerca de cinco mil trabalhadores do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pelas obras da terceira maior hidrelétrica do mundo, entraram em greve geral na quinta-feira, dia 29 de março. As reivindicações são aumento salarial, redução dos intervalos entre as baixadas (visita dos trabalhadores a suas famílias) de 6 pra 3 meses, o não-rebaixamento do pagamento e solução de problemas com a comida e água.
A paralisação começou no canteiro de obras do Sítio Pimental, após um acidente de trabalho que matou o operador de motosserra Francisco Orlando Rodrigo Lopes, de Altamira. A saída dos ônibus do perímetro urbano de Altamira para os canteiros de obra, em Vitória do Xingu, foram bloqueadas.
Em Rondonia, a greve começou no dia 10 de março, com cerca de 16 mil trabalhadores que constroem a Usina Jirau, no rio Madeira, e ganharam no dia 21 de março, o apoio de parte dos funcionários da Usina de Santo Antônio, no mesmo rio, que também pararam momentaneamente as atividades.
Em Jirau, os operários resolveram suspender as atividades por conta das precárias condições no canteiro administrado pela empresa. “A estrutura do alojamento não dá conta da quantidade de operários. Falta desde banheiro até área de lazer, algo muito grave se levarmos em conta que os trabalhadores estão em uma área remota dentro da floresta amazônica”, comentou Cláudio Gomes, presidente da Confederação dos Trabalhadores na Indústria da Construção e Madeira (Conticom).
O dirigente comenta ainda que acordos como o reajuste do vale alimentação não foram cumpridos. A categoria, cuja data-base é em maio, cobra o reajuste de 20% dos salários, o aumento do vale-alimentação para R$ 510 e o pagamento de 100% de todas as horas extras. Atualmente, o valor equivale a 70% nos dias normais e 100% em domingos e feriados.
No canteiro da usina de Santo Antônio, o clima ficou pesado com a pressão da Camargo Correa e da Odebrechtpara que Força Nacional assuma o canteiro. O mesmo pedido foi reiterado pelo governo de Rondônia, com uma agravante, o governo do Estado pediu a presença do Exército.
As empreiteiras e o governo do Estado temem o fantasma da Rebelião de Jirau.
A retomada das greves nos grandes canteiros é uma derrota do governo após o acordo denominado de Compromisso Nacional para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção. O acordo foi apresentado pela presidente Dilma Rousseff no começo do mês de março como um “novo paradigma” nas relações entre trabalhadores, empresários e governo, porém não provocou até agora mudanças significativas no setor.
Além da presença permanente de representantes sindicais para a “resolução imediata de questões envolvendo patrões e empregados, favorecendo a produtividade e o bom andamento das obras” – conforme comunicado da Secretaria-Geral da Presidência da República, o acordo prevê a criação de uma Mesa Nacional Tripartite Permanente para a Melhoria das Condições de Trabalho, reunindo autoridades, empresários e trabalhadores.
A estratégia não tem, porém, dado os resultados esperados. Em Jirau, a tentativa de ampliar o diálogo fracassou e os próprios representantes dos sindicatos que tentaram intermediar as negociações acabaram vaiados pelos trabalhadores. Na realidade, o acordo é visto com reservas mesmo pelos sindicalistas que participaram da negociação.
Um dos principais articuladores do acordo é José Lopez Feijóo – ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e agora, assessor da secretaria geral da Presidência da República, da qual é ministro Gilberto Carvalho. Segundo ele, foram os seguidos problemas nas obras das hidrelétricas do Rio Madeira nos últimos anos que fizeram o governo se preocupar em articular um acordo voltado para as grandes obras. “Há enormes investimentos em obras de energia e infraestrutura, e mesmo em infraestrutura social como o [programa] Minha Casa, Minha Vida. O que aconteceu em Santo Antônio e Jirau nos chamou a atenção para a necessidade de um acordo”, diz, referindo-se à revolta de trabalhadores em março de 2011.
De acordo com ele, o compromisso tem, conforme a presidente Dilma anunciou, potencial para gerar mudanças significativas. “Serão cumpridos direitos constitucionais que hoje praticamente ninguém exerce. No acordo fica claro, por exemplo, que o trabalhador não pode ser demitido se recusar a exercer algo que coloca em risco saúde. Na medida em que adere a um acordo, a empresa assume um compromisso público que vai ter que cumprir. E o sindicato passa a contar com mais um instrumento que não tinha anteriormente”.
O fato é que até o momento o acordo não chegou efetivamente nas grandes obras. Mesmo com o acordo, greves e violações persistem nos megaprojetos. O cenário para o governo é preocupante, considerando-se ainda o andamento das obras da Copa do Mundo.
(*) Texto publicado originalmente no Racismo Ambiental.